a preguiça e o banho de telefone

a desculpa ideal é a falta de tempo, mas o motivo real é a preguiça, o fato é que eu só publico no blog mais ou menos uns 10% das coisas que passam pela minha cabeça e que eu gostaria de escrever. um dos posts da série "mentalizei mas não escrevi" era justamente sobre o "banho de telefone", experiência pela qual passam todos os que se aventuram a tomar um banho no velho continente.

meus amigos ficaram bastante curiosos a respeito, chegando a fazer mil elucubrações sobre o que seria essa experiência: será que o box é uma cabine de telefone? será que o telefone espirra água? alguém chegou até a imaginar que telefones caiam do céu, o que seria mais propriamente chamado de "chuva de telefone", não de "banho de telefone". confesso que me diverti tanto com os devaneios que achei por bem não estragar a fantasia ao esclarecer o mistério acerca do tal banho. some-se a isso a maldita preguiça, e eu acabei não fazendo um post falando das agruras de se tomar banho no exterior.

eis que flanando com o mouse por aí, descobri um texto que expressa muito bem o que eu queria dizer e o que, com certeza, os que viajam pra fora sentem também. reproduzo:

em: Blônicas

Go take a shower!

De Cléo Araújo.

Não tem como não ficar homesick na presença de um chuveiro estrangeiro.
Lembro de uma vez, talvez um dos momentos mais intrigantes já vividos dentro de um box azulejado.
Existia, do lado da ducha, uma cordinha e um aviso: “puxe em caso de emergência.” Segurava o sabonete e tentava imaginar que tipo de emergência poderia ocorrer ali e que tipo de sinal o puxar da cordinha emitiria aos responsáveis pela paz no banho (camareiros vestidos de roupas de neoprene?). Sirenes soariam quando acabasse o sabonete? Ou a uma luz vermelha acenderia quando a toalha tivesse ficado em cima da cama no quarto? Eu ria sozinha, não compreendia aquilo e só conseguia pensar que os chuveiros gringos eram muito, mas muito esquisitos.
Em outro rincão, tive a experiência com aquele que começava na altura do meu pescoço e expelia um jato com força suficiente para me jogar contra a outra parede, não sem antes me decapitar. Aprendi, depois do terceiro assalto, que tinha que ir abrindo devagarzinho ao mesmo tempo em que me posicionava em um ângulo estratégico para não sofrer o nocaute.
E os do tipo telefone? Que você ou segura na mão ou prende num porta-chuveiro - que geralmente também é baixo demais (e isso porque eu tenho 1,60)? Lavar a cabeça no estrangeiro pode se transformar num desafio mais complicado do que ser aprovado pela imigração.
Houve também as inundações. Chuveiros dentro de banheiras protegidas do ambiente externo apenas por uma cortina de plástico mequetrefe. Um convite às enchentes. Uma das piores ocorreu em um banheiro que tinha pinta de banheiro de trailer (embora eu estivesse num quarto). Foi triste e molhado.
O fato é que ninguém dá tanta bola para chuveiro quanto brasileiro. O pessoal de outros cantos do mundo parece se contentar com versões improvisadas de banho. Eles se satisfazem com uma banheira que, ok, relaxa, é deliciosa, mas convenhamos, não leva a sujeira para lugar nenhum.
Aqui não. Aqui a gente cuida do banho com carinho. Refaz as instalações do apartamento só para garantir um aquecedor a gás e espalha os bichinhos a cada cinco metros pelas praias para que ninguém precise enfrentar o desconforto da areia no meio dos dedos do pé. É um hábito diário, sagrado, tão brasileiro quanto feijoada ou caipirinha. A gente curte um banhão.
Fora que observar os rituais do banho de outrem pode render uma bela análise psicológica do indivíduo. O que significa que, se você tiver o privilégio de poder observar alguém durante um momento tão íntimo e desnudo, querida, aproveite. Enfie sua cabecinha no box e repare. Ele começa lavando o rosto ou o pé? Faz a barba no banho? Usa condicionador? Há de haver um sentido. Mas preste atenção: avise antes. Não vá se metendo no banho de alguém sem se anunciar. Susto no banho, aliás, deveria ser crime. É um momento em que nos encontramos indefesos, relaxados, pensando na vida, cantando alguma coisa, até. Hitchcock que o diga.
E é justamente aqui que relato o último acontecido, que deveria estar sendo reportado de uma ducha em Copenhague ou de um ofurô em Osaka, mas que se deu aqui mesmo, em território nacional.
A espuma do xampu ainda nos cabelos, a água fria espirrando na barriga, o cheiro de fumaça contaminando o box e eu ali, coração na boca, peladinha da silva, com a trilha de “Psicose” na cabeça e sem nenhuma cordinha para chamar os meus heróis.
Nunca os destemidos camareiros em suas roupas de neoprene fizeram tanta falta.

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