depois de ligar mil vezes para o sac, mandar email, escrever para o globo, ir na loja, reclamar de novo, finalmente vieram montar o armário hoje, com hora marcada. conclusão: falar ou mandar email para o sac não adianta nada, o negócio é armar barraco na loja mesmo.
aliás, esse negócio de defesa do consumidor renderia um blog só pra falar disso. a prestação de serviço aqui é muito ruim! no outro dia fui revelar umas fotos na kodak do botafogo-escada-shopping. a mulher revelou uma das fotos errada e ainda cortou a outra. mas isso não teria me aborrecido tanto se a mulher não fosse tão mal educada. odeio ser atendida por alguém de má vontade! se não tem vocação pra trabalhar com público, vá ser governanta do bin laden num buraco do afeganistão, pô! eu sou simpática, dou bom dia, boa tarde, boa noite, até sorrio. ou seja, não tem motivo nenhum pra não me tratar com um mínimo de decência...
outra coisa irritante é taxista ouvindo rádio evangélica. na dúvida, taxista não devia ouvir é nada. mas rádio evangélica é o fim da picada, e geralmente o sujeito nem pergunta se você quer que desligue. eu, como sou boazinha não falo nada e tento abstrair.
o que não dá mesmo pra abstrair é a nova petulância do povo do telemarketing. isso tem sido notado não só por mim, mas por várias outras pessoas. agora eles respondem atravessado, fazem gracinha, são sarcásticos. e continuam absolutamente inflexíveis e insistentes. fazer com que um deles resolva o seu problema é pior que tirar leite de pedra. antes do ponto frio, meu último estresse foi para cancelar a minha linha de telefone fixo (não preciso nem dizer o nome da empresa). desse episódio, também tirei alguns aprendizados que um dia podem ser úteis para alguém:
- ao pedir para cancelar a sua linha, de cara fale que se você não conseguir completar seu cancelamento naquela ligação vai acionar a anatel. as ligações de cancelamento costumam cair misteriosamente no meio. é tão irritante começar tudo do zero que muitas vezes você desiste no meio.
- diga que você está cancelando a linha porque vai se mudar com a família inteira para o exterior, assim eles ficam desarmados de qualquer argumento para que você mantenha sua linha.
- nunca, jamais diga que está insatisfeito ou que quer mudar de operadora caso não esteja disposto a ouvir as ofertas sensacionais que eles têm para oferecer.
- caso você ouça as ofertas sensacionais, não aceite. isso aumenta a estatística de sucesso dessa tática e faz com que eles repitam a prática com mais e mais pessoas. se quer conseguir alguma coisa, vá direto ao ponto.
- paciência, tolerância, mantenha quaisquer armas de fogo à distância. contenha seus impulsos de tacar longe o telefone, o prejuízo vai ser só seu.
***
enfim, tudo seria mais simples - para os dois lados - se os serviços não fossem tão ruins. mas os gênios do marketing foram beber no bar da faculdade no dia da aula de atendimento ao consumidor. e olha que eu sou boazinha!...
primavera
hoje seria dia de festa no jardim. mas não foi. olhando o vai-e-vem de gente num domingo de sol, pensei em como a vida é frágil, física e metafisicamente falando. como um grupo relativamente homogêneo, as pessoas parecem felizes. mas em cada universo particular existe um drama, de maior ou menor proporção. a vida pode ser leve, e às vezes muito, muito pesada. como conseguimos carregar esse peso, isso eu não sei. talvez tenha uma pista. desconfio que aqueles que estão por perto vão ajudando a equilibrar o nosso peso, enquanto nós também ajudamos a equilibrar o peso alheio, como em um bem ensaiado número de circo.
hoje uma florzinha murchou. o jardim todo chorou. mas é primavera, e a vida reflorescerá.
hoje uma florzinha murchou. o jardim todo chorou. mas é primavera, e a vida reflorescerá.
it’s friday i’m in love
with antony bourdain, um apresentador cinquentão charmoséeeeeeeeeeerrimo do discovery home & health. no programa, sua função é viajar pelo mundo, descobrindo pessoas e lugares interessantes, e comendo iguarias ora boas e classudas, ora bizarras e nojentas. nada mau.
ok, i´m in love também com ele, que me acordou às seis e meia da madrugada pra ir caminhar na praia. a caminhada foi interrompida com um princípio de ciclone extra-tropical que causou dor de ouvido no ser amado. mas tudo bem, porque compramos um pão quentinho e fomos pra casa tomar café juntos.
ok, i´m in love também com ele, que me acordou às seis e meia da madrugada pra ir caminhar na praia. a caminhada foi interrompida com um princípio de ciclone extra-tropical que causou dor de ouvido no ser amado. mas tudo bem, porque compramos um pão quentinho e fomos pra casa tomar café juntos.
hora do almoço
ouvir seu nome na boca de um, que não é, assim, um qualquer um. almoçar saudável com amigo num lugar incrível. comprar sapatinho xadrez. perspectivas, é sempre bom tê-las.
[o lugar é uma chácara entocada numa vilinha simpática em botafogo. serve comida vegana, você almoça num quintal delicioso. no final, ninguém vem cobrar, você mesmo paga e pega o seu troco. atitude rara e louvável.]
[o lugar é uma chácara entocada numa vilinha simpática em botafogo. serve comida vegana, você almoça num quintal delicioso. no final, ninguém vem cobrar, você mesmo paga e pega o seu troco. atitude rara e louvável.]
...mas algumas coisas ainda funcionam
por outro lado, comprei um rack numa loja chamada karam design que merece meu comentário positivo: a entrega ocorreu antes do prazo estipulado e a montagem foi feita no primeiro horário (mesmo - antes das 9hs!) do sábado.
infeliz dia do cliente no ponto frio
[enviado para o defesa do consumidor do jornal o globo, em 17/09]
No dia 25/08 comprei um armário de cozinha no Ponto Frio de Copacabana. O vendedor me disse que para entrega não era possível agendar horário, mas que para a montagem do mesmo sim. Depois que o armário foi entregue, liguei para o SAC para agendar a montagem. O atendente me informou que não era possível marcar o horário, mas eu argumentei se eles não podiam deixar minha montagem para o primeiro horário e ele disse que sim. Ainda enfatizei que era importante ser no primeiro horário e ele disse que tinha feito a ressalva. Marquei então a montagem para um sábado, meu único dia disponível, o único dia que tenho para resolver minhas coisas pessoais, já que trabalho a semana inteira. No sábado dia 15/09, por ironia dia do cliente, até o meio dia nenhum montador havia dado sinal de vida. Telefonei para o SAC para ter alguma posição e a informação que me deram era que a montagem poderia acontecer até as 18hs e que não havia como marcar horário. Questionei a contradição, já que o vendedor e o atendente que fez o agendamento disseram outra coisa e deixei registrada uma reclamação. A perspectiva de ficar em casa aguardando a montagem do armário até as 18hs – quando tinha me programado para ficar no máximo a manhã - já tinha me aborrecido bastante, mas o pior foi quando percebi que não apareceria ninguém, nem até as 18hs nem depois disso. Ou seja, perdi um sábado inteiro esperando um funcionário do Ponto Frio que não apareceu. Se soubesse de antemão que a montagem não poderia ser agendada, jamais teria feito a compra no Ponto Frio. Meu tempo é precioso demais para que eu tenha que ficar à disposição de montadores que, ainda por cima, não aparecem. Após as 18hs retornei a ligação para o SAC solicitando uma solução e a única proposta deles era fazer um novo agendamento, mais uma vez sem hora marcada. O descaso e desatenção foram enormes, ainda mais no dia do cliente. Já enviei um email pelo site, mas até o momento não obtive resposta. Tudo que espero do Ponto Frio é que efetue a montagem o mais rápido possível, AGENDANDO um horário em que eu possa estar em casa e não tenha que dispor de um dia inteiro (não existe essa possibilidade) na espera. É o mínimo que se pode esperar por parte de alguém que fez o papel de idiota durante um dia todo aguardando um serviço que não foi prestado. É preciso também que o Ponto Frio reveja sua política de entrega e montagem e que a impossibilidade de agendar a montagem fique clara antes do momento da compra porque não são todas as pessoas que podem se dar ao luxo ficar em casa aguardando indefinidamente.
No dia 25/08 comprei um armário de cozinha no Ponto Frio de Copacabana. O vendedor me disse que para entrega não era possível agendar horário, mas que para a montagem do mesmo sim. Depois que o armário foi entregue, liguei para o SAC para agendar a montagem. O atendente me informou que não era possível marcar o horário, mas eu argumentei se eles não podiam deixar minha montagem para o primeiro horário e ele disse que sim. Ainda enfatizei que era importante ser no primeiro horário e ele disse que tinha feito a ressalva. Marquei então a montagem para um sábado, meu único dia disponível, o único dia que tenho para resolver minhas coisas pessoais, já que trabalho a semana inteira. No sábado dia 15/09, por ironia dia do cliente, até o meio dia nenhum montador havia dado sinal de vida. Telefonei para o SAC para ter alguma posição e a informação que me deram era que a montagem poderia acontecer até as 18hs e que não havia como marcar horário. Questionei a contradição, já que o vendedor e o atendente que fez o agendamento disseram outra coisa e deixei registrada uma reclamação. A perspectiva de ficar em casa aguardando a montagem do armário até as 18hs – quando tinha me programado para ficar no máximo a manhã - já tinha me aborrecido bastante, mas o pior foi quando percebi que não apareceria ninguém, nem até as 18hs nem depois disso. Ou seja, perdi um sábado inteiro esperando um funcionário do Ponto Frio que não apareceu. Se soubesse de antemão que a montagem não poderia ser agendada, jamais teria feito a compra no Ponto Frio. Meu tempo é precioso demais para que eu tenha que ficar à disposição de montadores que, ainda por cima, não aparecem. Após as 18hs retornei a ligação para o SAC solicitando uma solução e a única proposta deles era fazer um novo agendamento, mais uma vez sem hora marcada. O descaso e desatenção foram enormes, ainda mais no dia do cliente. Já enviei um email pelo site, mas até o momento não obtive resposta. Tudo que espero do Ponto Frio é que efetue a montagem o mais rápido possível, AGENDANDO um horário em que eu possa estar em casa e não tenha que dispor de um dia inteiro (não existe essa possibilidade) na espera. É o mínimo que se pode esperar por parte de alguém que fez o papel de idiota durante um dia todo aguardando um serviço que não foi prestado. É preciso também que o Ponto Frio reveja sua política de entrega e montagem e que a impossibilidade de agendar a montagem fique clara antes do momento da compra porque não são todas as pessoas que podem se dar ao luxo ficar em casa aguardando indefinidamente.
viagem ao redor do próprio umbigo
quanto mais eu ando por aí, mais chego à conclusão de que o arpoador é o melhor lugar do mundo.
Semi-ficção – Convidado VIP
O Chamado
Dudu já tinha tomado seu Nescau noturno (cultivava esse hábito desde criança) e estava na frente da televisão naquele estado letárgico de quem espera o sono chegar, quando toca o telefone: “Dudu, tá acordado, véio?” Era a Catita, amiga de outros carnavais.
“Fala, Catita, tô sim, que manda?”
“Dudu, escuta, eu tô em São Paulo, fiquei presa numa reunião e não consegui voltar. Mas, se liga, tá rolando uma festa im-per-dí-vel no Balacobaco e eu lembrei de você, topa?”
Descoladíssima, a Catita sempre vinha com as boas de onde menos se esperava. Se ela dizia que a festa era imperdível, então devia ser mesmo. Esqueceu do pijama, do Nescau, do despertador que tocaria às 7hs e disse: “Topo”.
“Legal! Anota aí, o esquema é o seguinte, o seu nome vai estar na porta, mas você tem que dizer que é o Joca Lordão. Ele não vai com certeza, aí você entra com o nome dele.”
“Joca Lordão?”
“É, isso.”
“Beleza, Catita, valeu mesmo a lembrança! Depois te conto como foi.”
“Que é isso, véio, tranqüilo. Aproveita!”
Tomou banho e se arrumou em tempo recorde. Preferiu um visual despojado, mais ao estilo do Balacobaco. Tirou o carro da garagem e partiu rumo à noite inesperada.
Entrada
Chegou no local da festa e de longe viu que a amiga não tinha se enganado. Na pressa do telefonema até se esqueceu de perguntar do que ou de quem era a festa, mas pelo histórico da Catita desconfiava que fosse de alguém ligado ao meio artístico.
Deixou o carro com o manobrista e foi até a hostess, que estava cercada de gente. Seguindo as instruções da amiga, disse:
“Boa noite, Joca Lordão.”
Convidado VIP
Conferido o nome na lista, a hostess colocava uma pulserinha VIP no seu pulso quando um sujeito em pé ali do lado dirigiu-se para ele:
“Joca Lordão! Que bom que você veio, cara!”
Dudu, meio desconcertado, deu um sorriso amarelo e murmurou um “E aí?...” O sujeito ia arrastando ele pra dentro enquanto falava eufórico: “Nem acredito, você aqui! Diz a lenda que depois de João Gilberto você é o camarada que menos sai de casa, mas eu tive um pressentimento que hoje você ia aparecer! Desculpa, eu nem me apresentei, Jorginho Russomano da Planeta FM. Nem acredito! Tem uma pessoa aqui que quer muito te conhecer, vem!” Continuou andando pela casa entusiasmadíssimo com Dudu a tiracolo até chegar num grupo grande de pessoas, dentre as quais ele reconheceu uma meia dúzia de caras famosas. Naquele momento Dudu já estava arrependido de ter saído de casa e sentia o vexame iminente, desejava sair correndo, mas o falante Jorginho não dava nenhuma brecha.
Pararam na frente da nova estrela da cena rock, Beto Feroz, namorado contumaz de atrizes de novela. Jorginho exclamou: “Betão! Esse é o cara!”
Fazendo juz ao nome, Feroz lançou um olhar de desprezo para Dudu, mas mudou de expressão no segundo seguinte ao ouvir do sorridente Jorginho a apresentação: “Joca Lordão!”
“Mestre Joca!” disse Beto Feroz fazendo uma reverência no estilo oriental para um Dudu cada vez mais constrangido porque sentia que o burburinho em torno dele aumentava.
“Foi um milagre que te trouxe aqui, brother! Queria tanto armar com você aquele lance da entrevista, vai rolar mesmo? Semana que vem?” e o Dudu confuso respondia: “Vai, vai sim”.
“Mas que dia é o melhor? Segunda? Terça? Quarta eu tô em estúdio, mas se você preferir quarta eu posso dar um jeito...” Feroz tinha virado um gato manso e Dudu respondia vagamente: “Segunda... Terça...” Beto Feroz insistia: “Segunda? Terça? Que dia? Pra mim pode ser qualquer dia!”
Nisso uma morena fenomenal interrompeu o diálogo e perguntou para Dudu: “Joca Lordão?!”
Feroz, se sentindo sobrando, fechou o papo: “Joca, você é o cara da noite. Te ligo pra gente marcar o lance da entrevista. Valeu, brother!”
“Valeu...” respondeu o atônito Dudu, se virando para a morena que disse: “Eu acho que a gente se conheceu há um tempo atrás, só que... não sei, você tá diferente...” Ele teve a certeza que ia ser desmascarado ali, mas arriscou: “É, eu dei uma emagrecida...” A morena parecia confusa, no entanto estava disposta a continuar o papo cheia de simpatia:
“Olha, eu tenho até vergonha de te dizer isso, mas eu sempre admirei muito o seu trabalho! Esse pessoal que te critica, só pode ser porque não te conhece! E eu sempre defendi você porque...” e seguiu falando enquanto o Dudu respondia monossilabicamente.
Reconstruindo Joca Lordão
Os garçons passavam pra lá e pra cá com bandejas cheias de drinques incríveis e o Dudu achou que, já que estava ali, ia pelo menos aproveitar a fartura etílica. Foi se soltando e aos poucos gostando dos seus momentos como persona do show bizz, principalmente ao lado daquela morena.
O vocalista-galã de uma banda pop decadente chegou cortando a conversa:
“Joca Lordão! Há semanas eu tô tentando falar com você! Que honra te encontrar pessoalmente! Meu irmão, preciso te mandar a demo do nosso novo álbum! O Figurinha Fácil evoluiu muito musicalmente, eu tenho certeza que você vai sentir isso logo na primeira faixa...Você vai ficar amarradão!” e Dudu, meio contrariado porque a morena aproveitou a deixa e se afastou, respondeu “Claro, manda sim...” Sabia que o som da banda era um lixo e qualquer evolução era pouco provável, mas o outro continuou falando das maravilhas do novo álbum. Outras pessoas se aproximavam dele, faziam elogios, prestavam homenagens, davam tapinhas nas costas e ele retribuía sorrindo com um misto de timidez e humildade.
Dudu estava tonto e não conseguia descobrir se o tal Joca Lordão era jornalista, músico, executivo de gravadora ou magnata. Sua única certeza era de que seu alter-ego era muito poderoso. Quando foi ao banheiro, arranjou um canto escondido para ligar para a amiga:
“Quem é esse Joca Lordão, Catita?” e ela: “Por quê?”
“Porra! Você me meteu numa roubada!” Ele ouviu uma gargalhada do outro lado. No mesmo instante entrou no banheiro seu novo amigo Jorginho. Ele sussurrou: “Preciso desligar”.
Jorginho não se continha de orgulho por ter introduzido o grande homem junto a pessoas importantes: “E aí Joca? Curtindo a balada?” “Joinha” respondeu Dudu, usando uma palavra que fantasiou ser do vocabulário Lordaniano.
Saindo do banheiro, Dudu deu de cara com a morena, que o surpreendeu com um sorriso convidativo. Engataram novamente no papo e do papo para os beijos.
Dia seguinte
Dudu não conseguia lembrar como chegou em casa. O despertador tocou às 7hs, depois às 8hs, 9hs... Às 10hs teve forças de pegar o celular e ligar pro trabalho pra dizer que uma virose tinha acabado com ele.
Se lembrava vagamente de ter conversado com uma série de famosos (chegou a abraçar alguns?), de ter tirado fotos e dado uma canja cantando (teria tocado bateria também?). Mas eram apenas flashes. Virou para o lado e voltou a dormir. Sonhou que era o Mick Jagger e que estava em uma escuna na Riviera, cercado de modelos cantando “I can’t get no Satisfaction”.
Por sorte nenhum colega da repartição reconheceu Dudu, com uma morena no colo, na foto que saiu coluna social daquele dia. A legenda dizia: “Joca Lordão e Gisela Garcia em noite de agito no Balacobaco”.
Joca Lordão, o verdadeiro
Joca Lordão, nascido João Carlos da Silva, chegou no escritório por volta das 3hs da tarde. Passou direto para sua sala sem cumprimentar ninguém. Um pouco depois Viviane, sua assistente, entrou. Como de costume levava: dois maços de cigarro mentolado, um pacote de balas de tamarindo, o London Times (somente o suplemento cultural e as palavras-cruzadas), e uma taça de água com gás e uma azeitona verde dentro, porque o chefe estava tentando parar de tomar dry Martini pela “manhã”. Dispôs tudo meticulosamente sobre a mesa. Ele acendeu o primeiro cigarro. Era a senha para ela começar a passar os recados do dia.
“Bom dia, Joca. Hoje o telefone não parou de tocar! Uma loucura! O Beto Feroz ligou, disse que vocês ficaram de marcar uma entrevista para segunda ou terça e ele quer confirmar o dia e a hora e...” Joca interrompeu: “Beto Feroz? Beto Feroz? Você tá louca? Eu nunca falei com esse sujeitinho! Era só o que faltava! Não tem entrevista nem segunda, nem terça, nem nunca! É cada uma... inventar que falou comigo! É muita cara-de-pau pra tentar conseguir uma entrevista! Que vá bater lá no programa da Hebe!” Ela engoliu seco e continuou:
“O Alex Mariani..”
“Quem?!”
“O Alex Mariani, o vocalista daquela banda Figurinha Fácil disse que conversou com você ontem e ficou de mandar a demo do novo cd pra você dar sua opinião e...”
“Ô, ô, ô, escuta aqui ô Viviana”, ele gaguejava quando ficava nervoso e nunca falava certo o nome da assistente, “você fumou crack antes de eu chegar?! Quando é que você acha que eu ia dirigir a palavra a esse bostinha desse... esse... esse vocalistazinho dessa bandinha de m*, hein? Você manda esse babaca enfiar essa demo no c* dele, c*!” Ele rosnava e mastigava o cigarro como se fosse charuto.
Louca para acabar com aquilo, ela omitiu alguns outros recados imaginando que irritariam ainda mais o chefe e foi direto ao que julgou ser o único capaz de agradá-lo:
“A Gisela Garcia ligou e disse que adorou a noite, quer saber quando vocês podem se encontrar de novo.” Ele apertou os olhos, possesso:
“Ô, ô, ô, Viviana! V-v-você anda bebendo o meu Martini, c*?! Que, que, que, p* de Gisela, eu nem sei quem é essa vagabunda! V-v-vai, s-s-sai daqui!” Fez um gesto como quem espanta a pessoa com a mão e pegou mais um cigarro, enquanto o outro ainda queimava no cinzeiro.
Viviane suspirou ao voltar para a mesa. Quase sempre era assim, mas naquele dia ele estava especialmente azedo. Abriu o jornal e levou um susto ao ver uma foto, segundo a legenda, de Joca Lordão e Gisela Garcia na coluna social. O homem da foto definitivamente não era o chefe! Ficou intrigada e pensou “Esses jornalistas hoje em dia escrevem qualquer bobagem! Não apuram nada, nem se preocupam em checar os nomes das pessoas!...”
Dobrou o jornal e guardou na gaveta. Achou que não era uma boa hora para mostrar aquilo para o chefe, refletindo que o mau humor dele andava cada vez pior...
Dudu já tinha tomado seu Nescau noturno (cultivava esse hábito desde criança) e estava na frente da televisão naquele estado letárgico de quem espera o sono chegar, quando toca o telefone: “Dudu, tá acordado, véio?” Era a Catita, amiga de outros carnavais.
“Fala, Catita, tô sim, que manda?”
“Dudu, escuta, eu tô em São Paulo, fiquei presa numa reunião e não consegui voltar. Mas, se liga, tá rolando uma festa im-per-dí-vel no Balacobaco e eu lembrei de você, topa?”
Descoladíssima, a Catita sempre vinha com as boas de onde menos se esperava. Se ela dizia que a festa era imperdível, então devia ser mesmo. Esqueceu do pijama, do Nescau, do despertador que tocaria às 7hs e disse: “Topo”.
“Legal! Anota aí, o esquema é o seguinte, o seu nome vai estar na porta, mas você tem que dizer que é o Joca Lordão. Ele não vai com certeza, aí você entra com o nome dele.”
“Joca Lordão?”
“É, isso.”
“Beleza, Catita, valeu mesmo a lembrança! Depois te conto como foi.”
“Que é isso, véio, tranqüilo. Aproveita!”
Tomou banho e se arrumou em tempo recorde. Preferiu um visual despojado, mais ao estilo do Balacobaco. Tirou o carro da garagem e partiu rumo à noite inesperada.
Entrada
Chegou no local da festa e de longe viu que a amiga não tinha se enganado. Na pressa do telefonema até se esqueceu de perguntar do que ou de quem era a festa, mas pelo histórico da Catita desconfiava que fosse de alguém ligado ao meio artístico.
Deixou o carro com o manobrista e foi até a hostess, que estava cercada de gente. Seguindo as instruções da amiga, disse:
“Boa noite, Joca Lordão.”
Convidado VIP
Conferido o nome na lista, a hostess colocava uma pulserinha VIP no seu pulso quando um sujeito em pé ali do lado dirigiu-se para ele:
“Joca Lordão! Que bom que você veio, cara!”
Dudu, meio desconcertado, deu um sorriso amarelo e murmurou um “E aí?...” O sujeito ia arrastando ele pra dentro enquanto falava eufórico: “Nem acredito, você aqui! Diz a lenda que depois de João Gilberto você é o camarada que menos sai de casa, mas eu tive um pressentimento que hoje você ia aparecer! Desculpa, eu nem me apresentei, Jorginho Russomano da Planeta FM. Nem acredito! Tem uma pessoa aqui que quer muito te conhecer, vem!” Continuou andando pela casa entusiasmadíssimo com Dudu a tiracolo até chegar num grupo grande de pessoas, dentre as quais ele reconheceu uma meia dúzia de caras famosas. Naquele momento Dudu já estava arrependido de ter saído de casa e sentia o vexame iminente, desejava sair correndo, mas o falante Jorginho não dava nenhuma brecha.
Pararam na frente da nova estrela da cena rock, Beto Feroz, namorado contumaz de atrizes de novela. Jorginho exclamou: “Betão! Esse é o cara!”
Fazendo juz ao nome, Feroz lançou um olhar de desprezo para Dudu, mas mudou de expressão no segundo seguinte ao ouvir do sorridente Jorginho a apresentação: “Joca Lordão!”
“Mestre Joca!” disse Beto Feroz fazendo uma reverência no estilo oriental para um Dudu cada vez mais constrangido porque sentia que o burburinho em torno dele aumentava.
“Foi um milagre que te trouxe aqui, brother! Queria tanto armar com você aquele lance da entrevista, vai rolar mesmo? Semana que vem?” e o Dudu confuso respondia: “Vai, vai sim”.
“Mas que dia é o melhor? Segunda? Terça? Quarta eu tô em estúdio, mas se você preferir quarta eu posso dar um jeito...” Feroz tinha virado um gato manso e Dudu respondia vagamente: “Segunda... Terça...” Beto Feroz insistia: “Segunda? Terça? Que dia? Pra mim pode ser qualquer dia!”
Nisso uma morena fenomenal interrompeu o diálogo e perguntou para Dudu: “Joca Lordão?!”
Feroz, se sentindo sobrando, fechou o papo: “Joca, você é o cara da noite. Te ligo pra gente marcar o lance da entrevista. Valeu, brother!”
“Valeu...” respondeu o atônito Dudu, se virando para a morena que disse: “Eu acho que a gente se conheceu há um tempo atrás, só que... não sei, você tá diferente...” Ele teve a certeza que ia ser desmascarado ali, mas arriscou: “É, eu dei uma emagrecida...” A morena parecia confusa, no entanto estava disposta a continuar o papo cheia de simpatia:
“Olha, eu tenho até vergonha de te dizer isso, mas eu sempre admirei muito o seu trabalho! Esse pessoal que te critica, só pode ser porque não te conhece! E eu sempre defendi você porque...” e seguiu falando enquanto o Dudu respondia monossilabicamente.
Reconstruindo Joca Lordão
Os garçons passavam pra lá e pra cá com bandejas cheias de drinques incríveis e o Dudu achou que, já que estava ali, ia pelo menos aproveitar a fartura etílica. Foi se soltando e aos poucos gostando dos seus momentos como persona do show bizz, principalmente ao lado daquela morena.
O vocalista-galã de uma banda pop decadente chegou cortando a conversa:
“Joca Lordão! Há semanas eu tô tentando falar com você! Que honra te encontrar pessoalmente! Meu irmão, preciso te mandar a demo do nosso novo álbum! O Figurinha Fácil evoluiu muito musicalmente, eu tenho certeza que você vai sentir isso logo na primeira faixa...Você vai ficar amarradão!” e Dudu, meio contrariado porque a morena aproveitou a deixa e se afastou, respondeu “Claro, manda sim...” Sabia que o som da banda era um lixo e qualquer evolução era pouco provável, mas o outro continuou falando das maravilhas do novo álbum. Outras pessoas se aproximavam dele, faziam elogios, prestavam homenagens, davam tapinhas nas costas e ele retribuía sorrindo com um misto de timidez e humildade.
Dudu estava tonto e não conseguia descobrir se o tal Joca Lordão era jornalista, músico, executivo de gravadora ou magnata. Sua única certeza era de que seu alter-ego era muito poderoso. Quando foi ao banheiro, arranjou um canto escondido para ligar para a amiga:
“Quem é esse Joca Lordão, Catita?” e ela: “Por quê?”
“Porra! Você me meteu numa roubada!” Ele ouviu uma gargalhada do outro lado. No mesmo instante entrou no banheiro seu novo amigo Jorginho. Ele sussurrou: “Preciso desligar”.
Jorginho não se continha de orgulho por ter introduzido o grande homem junto a pessoas importantes: “E aí Joca? Curtindo a balada?” “Joinha” respondeu Dudu, usando uma palavra que fantasiou ser do vocabulário Lordaniano.
Saindo do banheiro, Dudu deu de cara com a morena, que o surpreendeu com um sorriso convidativo. Engataram novamente no papo e do papo para os beijos.
Dia seguinte
Dudu não conseguia lembrar como chegou em casa. O despertador tocou às 7hs, depois às 8hs, 9hs... Às 10hs teve forças de pegar o celular e ligar pro trabalho pra dizer que uma virose tinha acabado com ele.
Se lembrava vagamente de ter conversado com uma série de famosos (chegou a abraçar alguns?), de ter tirado fotos e dado uma canja cantando (teria tocado bateria também?). Mas eram apenas flashes. Virou para o lado e voltou a dormir. Sonhou que era o Mick Jagger e que estava em uma escuna na Riviera, cercado de modelos cantando “I can’t get no Satisfaction”.
Por sorte nenhum colega da repartição reconheceu Dudu, com uma morena no colo, na foto que saiu coluna social daquele dia. A legenda dizia: “Joca Lordão e Gisela Garcia em noite de agito no Balacobaco”.
Joca Lordão, o verdadeiro
Joca Lordão, nascido João Carlos da Silva, chegou no escritório por volta das 3hs da tarde. Passou direto para sua sala sem cumprimentar ninguém. Um pouco depois Viviane, sua assistente, entrou. Como de costume levava: dois maços de cigarro mentolado, um pacote de balas de tamarindo, o London Times (somente o suplemento cultural e as palavras-cruzadas), e uma taça de água com gás e uma azeitona verde dentro, porque o chefe estava tentando parar de tomar dry Martini pela “manhã”. Dispôs tudo meticulosamente sobre a mesa. Ele acendeu o primeiro cigarro. Era a senha para ela começar a passar os recados do dia.
“Bom dia, Joca. Hoje o telefone não parou de tocar! Uma loucura! O Beto Feroz ligou, disse que vocês ficaram de marcar uma entrevista para segunda ou terça e ele quer confirmar o dia e a hora e...” Joca interrompeu: “Beto Feroz? Beto Feroz? Você tá louca? Eu nunca falei com esse sujeitinho! Era só o que faltava! Não tem entrevista nem segunda, nem terça, nem nunca! É cada uma... inventar que falou comigo! É muita cara-de-pau pra tentar conseguir uma entrevista! Que vá bater lá no programa da Hebe!” Ela engoliu seco e continuou:
“O Alex Mariani..”
“Quem?!”
“O Alex Mariani, o vocalista daquela banda Figurinha Fácil disse que conversou com você ontem e ficou de mandar a demo do novo cd pra você dar sua opinião e...”
“Ô, ô, ô, escuta aqui ô Viviana”, ele gaguejava quando ficava nervoso e nunca falava certo o nome da assistente, “você fumou crack antes de eu chegar?! Quando é que você acha que eu ia dirigir a palavra a esse bostinha desse... esse... esse vocalistazinho dessa bandinha de m*, hein? Você manda esse babaca enfiar essa demo no c* dele, c*!” Ele rosnava e mastigava o cigarro como se fosse charuto.
Louca para acabar com aquilo, ela omitiu alguns outros recados imaginando que irritariam ainda mais o chefe e foi direto ao que julgou ser o único capaz de agradá-lo:
“A Gisela Garcia ligou e disse que adorou a noite, quer saber quando vocês podem se encontrar de novo.” Ele apertou os olhos, possesso:
“Ô, ô, ô, Viviana! V-v-você anda bebendo o meu Martini, c*?! Que, que, que, p* de Gisela, eu nem sei quem é essa vagabunda! V-v-vai, s-s-sai daqui!” Fez um gesto como quem espanta a pessoa com a mão e pegou mais um cigarro, enquanto o outro ainda queimava no cinzeiro.
Viviane suspirou ao voltar para a mesa. Quase sempre era assim, mas naquele dia ele estava especialmente azedo. Abriu o jornal e levou um susto ao ver uma foto, segundo a legenda, de Joca Lordão e Gisela Garcia na coluna social. O homem da foto definitivamente não era o chefe! Ficou intrigada e pensou “Esses jornalistas hoje em dia escrevem qualquer bobagem! Não apuram nada, nem se preocupam em checar os nomes das pessoas!...”
Dobrou o jornal e guardou na gaveta. Achou que não era uma boa hora para mostrar aquilo para o chefe, refletindo que o mau humor dele andava cada vez pior...
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